OIT Centenário

Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho, 2019

DECLARAÇÃO DO CENTENÁRIO DA OIT PARA O FUTURO DO TRABALHO [1]

A Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Genebra na sua centésima oitava sessão por ocasião do Centenário da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
Considerando que a experiência do último século confirmou que uma ação contínua e concertada dos governos e dos representantes dos empregadores e trabalhadores é essencial para a prossecução da justiça social, da democracia e a promoção de uma paz universal duradoura;
Reconhecendo que, graças a essa ação, foram realizados avanços históricos ao nível do progresso económico e social que conduziram a condições de trabalho mais humanas,
Considerando ainda que a persistência da pobreza, das desigualdades e das injustiças, bem como a fragilidade e os conflitos em muitas partes do mundo colocam em risco esses progressos e para assegurar uma prosperidade comum e trabalho digno para todas as pessoas;
Recordando e reafirmando os objetivos, finalidades, princípios e o mandato estabelecidos na Constituição da OIT e na Declaração de Filadélfia (1944);
Sublinhando a importância da Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998) e da Declaração da OIT sobre Justiça Social para uma Globalização Justa (2008);
Inspirada pelo imperativo da justiça social que presidiu à criação da OIT há cem anos e pela convicção de que está ao alcance dos governos, trabalhadores e empregadores de todo o mundo revitalizar a Organização e construir um futuro do trabalho que concretize a sua visão fundadora;
Reconhecendo que o diálogo social contribui para a coesão global das sociedades e que é crucial para uma economia eficiente e produtiva;
Reconhecendo ainda a importância do papel das empresas sustentáveis enquanto geradoras de emprego e promotoras da inovação e do trabalho digno.
Reafirmando que o trabalho não é uma mercadoria;
Comprometendo-se com um mundo do trabalho livre de violência e assédio;
Sublinhando ainda a importância de promover o multilateralismo, em particular para configurar o mundo que queremos e para lidar com os desafios do mundo do trabalho.
Instando todos os constituintes da OIT a reafirmarem o seu compromisso inabalável e a revitalizarem os seus esforços em prol da justiça social e a paz universal duradoura que está no cerne do compromisso por eles assumido em 1919 e em 1944; e
Movida pelo desejo de democratizar a governação da OIT através de uma representação equitativa de todas as regiões e de consagrar o princípio da igualdade entre os Estados-membros,
Adota, aos 21 dias do mês de junho do ano dois mil e dezanove, a presente Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho.

I
A Conferência declara que:

A. A OIT celebra o seu centenário num momento em que o mundo do trabalho atravessa mudanças profundas, impulsionadas por inovações tecnológicas, oscilações demográficas, alterações ambientais e climáticas e globalização, e das desigualdades persistentes que tem repercussões profundas sobre a natureza e o futuro do trabalho, bem como sobre o lugar que as pessoas ocupam nesse mundo e a sua própria dignidade.
B. É imperativo agir com urgência para aproveitar as oportunidades e enfrentar os desafios para construir um futuro do trabalho mais justo, inclusivo e mais seguro, com pleno emprego produtivo e livremente escolhido e trabalho digno para todas as pessoas.
C. Esse futuro do trabalho é fundamental para o desenvolvimento sustentável que põe fim à pobreza e não deixa ninguém para trás.
D. A OIT deve transpor para o seu segundo século de existência, com uma determinação inabalável, o seu mandato constitucional ao serviço da justiça social, desenvolvendo a abordagem ao futuro do trabalho centrada no ser humano, fazendo dos direitos, necessidades e aspirações das pessoas os objetivos principais das políticas económicas, sociais e ambientais.
E. A evolução da Organização ao longo dos últimos 100 anos no sentido de uma adesão universal significa que a justiça social pode ser alcançada em todas as regiões do mundo e que o contributo pleno dos constituintes da OIT para este esforço só poderá ser assegurado se estes participarem de forma plena, igualitária e democrática na sua governação tripartida.

II
A Conferência declara que:

A. No cumprimento do seu mandato constitucional, e tendo em conta as profundas transformações no mundo do trabalho e o desenvolvimento da sua abordagem ao futuro do trabalho centrada no ser humano, a OIT deve concentrar os seus esforços no sentido de:
(i) assegurar uma transição justa para um futuro do trabalho que contribua para o desenvolvimento sustentável nas suas dimensões económica, social e ambiental.
(ii) explorar todo o potencial do progresso tecnológico e do crescimento da produtividade, inclusive através do diálogo social, para alcançar o trabalho digno e o desenvolvimento sustentável que garantem a dignidade, a realização pessoal e que os seus benefícios sejam equitativamente partilhados entre todas as pessoas;
(iii) promover a aquisição de competências, capacidades e qualificações para todos os trabalhadores e trabalhadoras em todas as fases da sua vida profissional, como uma responsabilidade partilhada de governos e parceiros sociais a fim de:
– colmatar as lacunas de competências existentes e previstas;
– dedicar especial atenção a assegurar que os sistemas de ensino e formação respondam às necessidades do mercado de trabalho tendo em conta a evolução do trabalho;
– reforçar a capacidade dos trabalhadores e trabalhadoras de tirarem partido das oportunidades de trabalho digno disponíveis.
(iv) desenvolver políticas eficazes destinadas a criar pleno emprego produtivo e livremente escolhido e oportunidades de trabalho digno para todas as pessoas e, em particular, a facilitar a transição da educação e da formação para o trabalho, com ênfase na integração efetiva dos jovens no mundo do trabalho;
(v) apoiar medidas que ajudem os trabalhadores mais idosos a expandir as suas escolhas, otimizando as suas oportunidades de trabalhar em boas condições, produtivas e saudáveis até à sua reforma e que permitam um envelhecimento ativo.
(vi) promover os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras como um elemento-chave para a prossecução de um crescimento inclusivo e sustentável, focado na liberdade de associação e no reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva como direitos habilitantes;
(vii) concretizar a igualdade de género no trabalho através de uma agenda transformadora procedendo regularmente a uma avaliação dos progressos alcançados que:
– assegure a igualdade de oportunidades, a igualdade de participação e a igualdade de tratamento, incluindo a igualdade de remuneração para mulheres e homens por trabalho de igual valor;
– permita uma partilha mais equilibrada das responsabilidades familiares;
– ofereça a possibilidade de uma melhor conciliação entre a vida profissional e a familiar, permitindo aos trabalhadores e trabalhadoras e aos empregadores encontrar  soluções, inclusive ao nível do tempo de trabalho, que tenham em consideração as suas necessidades e benefícios respetivos; e
– promova investimentos na economia do cuidado;
(viii) assegurar igualdade de oportunidades e tratamento no mundo do trabalho para pessoas com deficiência, bem como para outras pessoas em situação de vulnerabilidade;
(ix) apoiar o papel do setor privado como principal fonte de crescimento económico e criação de emprego promovendo um ambiente favorável ao empreendedorismo, e às empresas sustentáveis, em especial as micro, pequenas e médias empresas, bem como as cooperativas e a economia social e solidária, por forma a gerar trabalho digno, emprego produtivo e melhores condições de vida para todas as pessoas;
(x) apoiar o papel do setor público como um importante empregador e fornecedor de serviços públicos de qualidade;
(xi) reforçar a administração e a inspeção do trabalho;
(xii) assegurar que diversas formas de organização do trabalho, de produção e modelos de negócios, inclusive nas cadeias de abastecimento nacionais e globais, incentivem oportunidades de progresso social e económico, proporcionem trabalho digno e favoreçam o emprego pleno, produtivo e livremente escolhido;
(xiii) erradicar o trabalho forçado e o trabalho infantil e promover o trabalho digno para todas as pessoas incentivando a cooperação transfronteiriça, inclusive nos domínios e setores de elevada integração internacional;
(xiv) promover a transição da economia informal para a economia formal concedendo a devida atenção às zonas rurais;
(xv) desenvolver e aperfeiçoar sistemas de proteção social adequados, sustentáveis e adaptados à evolução do mundo do trabalho;
(xvi) aprofundar e intensificar a sua ação no domínio da migração laboral internacional em resposta às necessidades dos constituintes e assumir um papel de liderança em matéria de trabalho digno na migração laboral;
(xvii) intensificar o seu empenhamento e cooperação no âmbito do sistema multilateral no sentido de reforçar a coerência das políticas em consonância com o reconhecimento de que:
– o trabalho digno é fundamental para o desenvolvimento sustentável, para a luta contra as desigualdades de rendimento e a eliminação da pobreza, prestando especial atenção às áreas afetadas por conflitos, catástrofes naturais e outras emergências humanitárias e,
– num contexto de globalização, o fracasso de qualquer país em adotar condições humanas de trabalho é mais do que nunca um obstáculo ao progresso em todos os outros países.
B. O diálogo social, incluindo a negociação coletiva e a cooperação tripartida por via do diálogo social entre governos e organizações de empregadores e trabalhadores constitui a base essencial de todas as ações da OIT e contribui para o sucesso das políticas e decisões adotadas nos seus Estados-membros.
C. A cooperação efetiva no local de trabalho é uma ferramenta para ajudar a garantir locais de trabalho seguros e produtivos, de modo a respeitar a negociação coletiva e os seus resultados, sem pôr em causa o papel dos sindicatos.
D. Condições de trabalho seguras e saudáveis são fundamentais para o trabalho digno.

III

 A Conferência apela a todos os Estados-membros, tomando em consideração a sua situação nacional, para trabalharem individual e coletivamente, numa base tripartida e de diálogo social e com o apoio da OIT a continuarem a desenvolver a abordagem ao futuro do trabalho centrada no ser humano, adotando medidas no sentido de:
A. Reforçar as capacidades de todas as pessoas para aproveitar as oportunidades de um mundo do trabalho em mudança mediante:
(i) a efetiva realização da igualdade de género em matéria de oportunidades e tratamento;
(ii) um sistema eficaz de aprendizagem ao longo da vida e de uma educação de qualidade para todas as pessoas;
(iii) acesso universal a uma proteção social, abrangente e sustentável; e
(iv) medidas ativas para apoiar as pessoas durante as transições, que irão enfrentar ao longo da sua vida profissional.
B. Reforçar as instituições do trabalho para assegurar a proteção adequada de todos os trabalhadores e trabalhadoras e reafirmar a pertinência da relação de trabalho como forma de providenciar segurança e proteção jurídica aos trabalhadores e trabalhadoras, reconhecendo a extensão da informalidade e a necessidade de adotar medidas eficazes para a transição para a formalidade.
Todos os trabalhadores e trabalhadoras devem gozar de proteção adequada de acordo com a Agenda do Trabalho Digno, tendo em consideração os seguintes elementos:
(i) o respeito pelos seus direitos fundamentais;
(ii) um salário mínimo adequado, legalmente instituído ou negociado;
(iii) limites à duração do trabalho;
(iv) a segurança e saúde no trabalho;
C. Promover o crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável, o pleno emprego produtivo e livremente escolhido e o trabalho digno para todos através de:
(i) políticas macroeconómicas orientadas para o cumprimento destes objetivos;
(ii) políticas comerciais, industriais e setoriais que promovam o trabalho digno e aumentem a produtividade;
(iii) investimento em infraestruturas e setores estratégicos para abordar os fatores geradores da profunda transformação no mundo do trabalho;
(iv) políticas e incentivos que promovam o crescimento económico sustentável e inclusivo, a criação e o desenvolvimento de empresas sustentáveis, a inovação e a transição da economia informal para a economia formal e que promovam o alinhamento das práticas empresariais com os objetivos desta Declaração; e
(v) políticas e medidas que assegurem a privacidade adequada e a proteção de dados pessoais e respondam a desafios e oportunidades no mundo do trabalho decorrentes da transformação digital do trabalho, incluindo o trabalho em plataformas.

IV
A Conferência declara que:

A. A definição, promoção, ratificação das normas internacionais do trabalho e a fiscalização do seu cumprimento reveste-se de importância fundamental para todas as atividades da OIT. Como tal, a Organização deve dispor e promover um corpus claro, sólido, atualizado e pertinente de normas internacionais do trabalho e melhorar a sua transparência.
As normas internacionais do trabalho devem igualmente responder aos padrões de mudança do mundo do trabalho, proteger os trabalhadores e trabalhadoras e levar em conta as necessidades das empresas sustentáveis, e estar sujeitas a uma supervisão autorizada e efetiva. A OIT apoiará os seus membros na ratificação e aplicação efetiva das normas.
B. Todos os Membros devem trabalhar para a ratificação e implementação das Convenções fundamentais da OIT e periodicamente considerar, em consulta com as organizações de empregadores e trabalhadores, a ratificação de outras normas da OIT.
C. Compete à OIT reforçar a capacidade dos seus constituintes tripartidos para:
(i) incentivar o desenvolvimento de organizações de parceiros sociais sólidas e representativas;
(ii) participar em todos os processos relevantes inclusive com as instituições, programas e políticas do mercado de trabalho, ao nível nacional e transnacional; e
(iii) abordar todos os princípios e direitos fundamentais no trabalho, a todos os níveis, conforme apropriado, através de mecanismos fortes, influentes e inclusivos de diálogo social, na convicção de que tal representação e diálogo contribuem para a coesão geral das sociedades e servem o interesse público e são essenciais ao bom funcionamento e produtividade da economia.
D. Os serviços que a OIT oferece aos seus Estados-membros e parceiros sociais, especialmente através da cooperação para o desenvolvimento, devem ser coerentes com o seu mandato e assentar numa compreensão profunda e tomar em consideração as suas diversas circunstâncias, necessidades e prioridades, nomeadamente através de uma cooperação Sul-Sul e triangular alargada.
E. A OIT deve manter as suas capacidades e conhecimentos no domínio da estatística, da investigação e da gestão do conhecimento ao mais alto nível, a fim de maximizar a qualidade da sua assistência sobre políticas assente em dados concretos.
F. Com base no seu mandato constitucional, a OIT deve assumir um papel relevante no sistema multilateral, reforçando a cooperação e estabelecendo acordos institucionais com outras organizações, tendo em vista a promoção da coerência das políticas em prol da sua abordagem ao futuro do trabalho centrada no ser humano, reconhecendo as ligações fortes, complexas e cruciais que existem entre as políticas sociais, comerciais, financeiras, económicas, socias e ambientais.

O texto precedente constitui a Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho, devidamente adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho durante a sua Centésima e Oitava Sessão (Centenária), realizada em Genebra e encerrada em 21 de junho de 2019.

[1 ]Tradução da responsabilidade da OIT-Lisboa. Fazem fé as versões espanhola, francesa e inglesa do texto da presente declaração.

Fonte: OIT Lisboa